sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Teoria dos Jogos aplicada à Indisciplina Escolar

Trabalho apresentado no último seminário de Indisciplina e educação contemporânea (agora que ja ta publicado eu posso postar aqui)
Gostaria de agradecer expecialmente a duas pessoas importantíssimas: ao Prof. Gil Riela e ao Prof. Joe Garcia pela suas cooperações.



O DILEMA DO PRISIONEIRO E INDISCIPLINA ESCOLAR, A POSSIBILIDADE DE OUTRO DISCURSO.
Ivan Gross
ivangross@yahoo.com.br

Resumo: o atual estudo apresenta uma relação possível entre a teoria dos jogos e indisciplina escolar na busca de uma estratégia de propicie cooperação tanto do professor como do estudante. Entendendo indisciplina escolar como uma série de lances de um jogo, de soma não nula, sem vitoriosos, a probabilidade da emergência da cooperação aumenta quando se escolhe uma estratégia onde não há inveja, há perdão, não se é esperto de mais, e se considera a informação completa do jogo e mais importante inicia-se sempre cooperando com a outra parte. Considera também como a aplicação da teoria dos jogos pode influenciar nos estudos sobre indisciplina escolar na contemporaneidade. Concluímos que a indisciplina escolar deve ser trabalhada com os professores a partir de dois pressupostos, o teórico em seu entendimento de constituição do sujeito; e prático mantendo-se fiel a estratégia escolhida.

Palavras chave: educação, indisciplina escolar, teoria dos jogos, dilema do prisioneiro iterado.

Introdução
A Teoria dos Jogos é a aplicação lógica matemática em tomadas de decisões sendo é utilizada em economia, política, situações de guerra, conflitos de interesse; que busca prever os movimentos do outro jogador, buscando o melhor resultado para ambos.

Almeida (2006, p. 1) afirma que o
objetivo da teoria dos jogos é entender a lógica na hora da decisão e ajudar a responder se é possível haver colaboração entre os jogadores, em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar e quais estratégias devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores.

Dessa maneira a Teoria dos Jogos se configura como um conjunto de técnicas para análise de cenários conflituosos (ex: conflitos entre países, entre grupos sociais, mercados financeiros, campanhas eleitorais, dinâmicas de comportamento, práticas esportivas, políticas de preço, entre outros), sempre que há “uma disputa de interesse entre partes que possuem algumas alternativas para tomada de decisão a cada passo, a formalização matemática destes cenários é denominada jogo” (ZUBEN, s.d., p. 3,4); e por que não à indisciplina escolar.

Mesmo que utilizemos a terminologia da Teoria dos Jogos aplicada à indisciplina escolar, o objetivo último é identificar a melhor estratégia nesta relação conflituosa. Em outros termos trata-se de um estudo de probabilidades; quais as variáveis que favorecem o aparecimento da cooperação em prol da minimização da indisciplina escolar.

O Dilema do Prisioneiro Iterado e a Teoria dos Jogos.

O Dilema do Prisioneiro Iterado , um problema clássico na Teoria dos Jogos, foi primeiramente formulado por Merrill Flood e Melvin Dresher em 1950. A variável, tempo de prisão, foi adicionada mais tarde por Albert W. Tucker, que definiu seu formato atual e cunhou o nome Dilema do Prisioneiro pelo qual é conhecido até os dias atuais (SANTOS, 2009, p. 17).

A “teoria dos jogos representa uma forma de modelar problemas que envolvem dois ou mais ‘tomadores de decisão’.” Assim, não se trata de como jogar o jogo e “sim de mecanismos de análise de conflitos de interesse” (ZUBEN, s.d., p. 2).

Existem três formas de realizar uma análise da indisciplina escolar através do Dilema do Prisioneiro: n para n, 1 para n, ou 1 para 1. No primeiro caso diversos professores jogam com diversos alunos, ex: uma campanha anti bully na escola. No segundo caso poderíamos considerar um professor jogando com n alunos presentes em sala de aula; o terceiro caso, que será a forma analisada no presente artigo, a interação se daria entre um professor e um aluno.

Existem várias versões do Dilema com algumas diferenças no tempo de prisão, e como é apresentada a situação aos dois presos, porém a análise dos dados não varia. O Dilema do Prisioneiro funciona da seguinte maneira: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia. A polícia tem provas insuficientes para condená-los, mas, separando os prisioneiros oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros testemunhar para contra o outro e o outro permanecer em silêncio, o que colaborar sai livre o cúmplice silencioso cumpre 5 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a 1 ano de cadeia cada um. Se ambos se acusarem um ao outro, cada um será condenado a 2 anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber o que o outro vai decidir. Nenhum tem certeza de como o outro vai reagir e que decisão irá tomar. A questão que o dilema propõe é: o que vai acontecer? Como reagir?

Esquematicamente:
• Caso A denuncie B e B fique em silêncio: A sai livre e B fica preso por 5 anos (o inverso também é verdadeiro caso B denuncie A e A fique em silêncio: B sai livre e A fica preso por 5 anos).
• Caso A e B fiquem em silêncio: ambos ficam presos por 1 ano.
• Caso A e B se denunciem mutuamente: ambos ficam presos por 2 anos.

O fato é que pode haver dois vencedores neste tipo de jogo, Dilema do Prisioneiro, sendo esta solução a melhor para ambos quando analisada em conjunto. Entretanto, os jogadores confrontam-se com algumas perguntas: confiarão no cúmplice e negarão o crime, mesmo correndo o risco de serem colocados numa situação ainda pior se o outro falar? Ou confessam e esperam ser libertados, apesar de que, se o outro fizer o mesmo, ambos ficarão numa situação pior do que se permanecessem calados?

Dado que nenhum deles pode ter a certeza da cooperação do outro, o resultado final será que ambos irão optar por desertar do colega. Desta forma têm a certeza que terão, na pior das hipóteses, uma pena de 2 anos e, na melhor, sairão em liberdade. No final acabam ambos por ficar bastante pior do que se tivessem cooperado.

Outro ponto interessante no Dilema do Prisioneiro é que mesmo que os presos conversem entre si questionando o que o outro vai fazer e explicitando sua ação futura, isso não alteraria o resultado do jogo, pois não podem estar seguros de confiar mutuamente. E por incrível que possa parecer, “a racionalidade individual leva a um pior resultado para ambos. Daí o dilema” (AXELROD, 2010, p. 9).

Provavelmente a característica mais interessante do Dilema do Prisioneiro, como jogo de soma não nula, é o fato de que como os dois jogadores não são necessariamente adversários o ganho para cada um deles pode ser diferente (ZUBEN, s.d., p. 29).

Terminologia aplicada.

Existe uma terminologia própria à Teoria dos Jogos e por se tratar de termos diferentes dos utilizados em Educação vale aqui sua descrição; apresento aqui suas definições, pois serão utilizadas constantemente no decorrer do texto; baseados em ZUBEN (s.d., p. 9, 10, 11).

Jogador: são os participantes do jogo, e podem ser em número de 2 ou mais.

Lance: todo jogo consiste de uma sequência de lances, algum deles simultâneos, que correspondem ou a decisões dos jogadores ou a resultados de eventos aleatórios.

Utilidade: conceito que reflete sua preferência frente a várias alternativas de resultado de jogo. A função de utilidade deve refletir todos os aspectos vinculados aos possíveis resultados de um jogo, incluindo o sentimento de satisfação de um jogador frente ao que ocorre com seus adversários.

Por ser um termo diferenciado, que influencia na existência ou não do jogo ou na motivação (individual) do lance a ser dado, mas normalmente não aparece nas descrições das equações matemáticas que descrevem o jogo, aqui vale um exemplo descritivo.

Suponha que o resultado do jogo seja B = ou C = . Se o professor prefere B a C, então a função de utilidade deve indicar u(B)>u(C); quaisquer valores podem ser empregados aqui, por exemplo, u(B)=4 e u(C)=2; desde que se respeite preposição de que u(B)>u(C).

Há a possibilidade de estender este conceito para o caso de se analisar o cenário em escola privada ou instituição pública. Seja BI = , e CE = . Sua função de utilidade agora pode indicar u(BI)>u(C)>u(CE). Novamente quaisquer valores podem ser empregados aqui, por exemplo: u(BI)=4, u(C)=2 e u(CE)=0. Obviamente esses valores influenciam outros indicativos de preferência que venham a ser associados.

Supondo que exista uma chance de bom humor do professor de 50%, então, com a função de utilidade acima, é possível indicar que o jogador é não faz diferença entre escolas privadas e instituições públicas com base na seguinte equação:
1/2 u(BI)+ 1/2 u(CE) = u(C).

Estratégia: a estratégia de um jogador é a descrição das decisões a serem tomadas frente a todas as possíveis situações que podem se apresentar durante o jogo. Portanto a estratégia não depende do que o adversário irá fazer naquele lance. “Ou regra de decisão” (AXELROD, 2010, p. 13). Retornarei a esse conteúdo mais detalhadamente.

Jogos de soma nula: são aqueles para os quais o somatório dos pagamentos efetuados a todos os jogadores é nulo. Nesse caso, o que um jogador ganha corresponde ao que é perdido pelos demais.

Jogos de soma não-nula: são aqueles que não respeitam as condições que caracterizam os jogos de soma nula. O caso do Dilema do Prisioneiro.
Jogos de informação completa: são jogos em que cada jogador tem conhecimento de todos os lances já ocorridos.

Deserção: quando não há a colaboração; quando um “incrimina” o outro para sair livre.

Retaliação: uma forma de punição pelo outro jogador ter desertado no lance anterior.

Parâmetro de desconto: o futuro é menos importante que o passado por dois motivos; os jogadores tendem valorizar menos a recompensa à medida que o tempo de sua obtenção se volta para o futuro, e sempre há a possibilidade dos jogadores não voltarem a se encontrar (AXELROD, 2010, p. 12).

Assim o parâmetro de desconto é a importância ou peso (p) do próximo lance em relação ao lance atual. Em outros termos pode ser entendido como uma diminuição da importância do lance em relação à duração do jogo.

Por exemplo, no caso da indisciplina escolar, em um jogo que dure um ano letivo, esse parâmetro de desconto explica porque a indisciplina escolar tende a aumentar do decorrer do ano, sendo mais controlada pelos professores e minimizada pelos alunos no início do ano letivo, visto que não se conhecem (o desconto de p será maior), e mais frouxa perto do fim do ano (onde o desconto de p será menor); como o aluno sabe da sua condição – aprovado ou reprovado – e o professor já conhece cada aluno, e eles tendem a não vão se encontrar novamente no ano que vem, o p tende a ser elevado (o desconto de p será menor).

Supondo um ano letivo de 200 dias, com uma aula por dia, onde ocorra ao menos um lance ao dia onde p=1/0,02 , a primeira deserção valeria 1, a segunda deserção valeria 1/0,02 , a terceira 1/0,04 e assim sucessivamente no final do ano teríamos o valor exato de 2 pontos para o total das deserções. Para se obter um ponto por lance isso pode corresponder a 1 + p + p2 + p3 ... Caso considerássemos p maior que 0 e menor que 1 o parâmetro de desconto poderia ser descrito como 1/(1-p) (AXELROD, 2010, p. 12).

Porém esse parâmetro de desconto apresenta uma consequência interessante ao aproximar-se do fim do jogo, como cada um dos jogadores sabe que o fim se aproxima a chance de deserção tende a aumentar para que ocorra o aumento de seus ganhos. Essa consequência aplicada no cenário de indisciplina escolar, explica o aumento de sua incidência no decorrer do ano.

O parâmetro de desconto questiona uma peculiaridade importante, que normalmente não se encontra em sala de aula, que é ter um parâmetro forte e constante no que se refere à indisciplina escolar. Se há uma ameaça em terminar o jogo antecipadamente o valor de p será alterado mudando a regra da relação durante a partida, o que altera o resultado, e possivelmente a estratégia. Ou seja, a partir do momento que se decide efetivamente “jogar”, não se deve mudar a estratégia de enfrentamento da indisciplina escolar, e mais ainda, não se deve alterar o seu entendimento frente á ela.

Jogo do Dilema do Prisioneiro Iterado (o utilizado neste estudo): cada jogo consiste em um certo número de partidas (ou lances), ou interações, de forma que o pagamento final seja a soma dos pagamentos de cada lance (CHALUB, s.d., p. 39).

Estratégias.

Essas informações e fórmulas matemáticas elucidam como funciona a probabilidade de resolução da indisciplina escolar, porém não demonstra, qual é a melhor estratégia. Não se deve esquecer que o alvo é a cooperação entre os jogadores. Assim o que se busca é uma estratégia que seja exercida pelos professores que tenha efeito no aluno na intenção de desenvolver a cooperação na resolução da indisciplina escolar.

Quatro propriedades ajudam na escolha, ou desenvolvimento da melhor estratégia. Aquilo que é eficaz depende não apenas das características de uma determinada estratégia, como também da natureza das outras estratégias com as quais deve interagir. Uma estratégia eficaz deve ser gentil, ser capaz de considerar a qualquer ponto o histórico da interação tal como se desenvolveu até o momento , não sentir inveja, e não ser esperto de mais (AXELROD, 2010, p. 29 e 104).

Estratégias desenvolvidas que obtém o melhor resultado de cooperação possuem algumas propriedades em comum. A primeira delas é ser “gentil (nice)”, o que significa nunca ser o primeiro a desertar. “Em outros termos mostrar que você esta disposto a cooperar” (AXELROD, 2010, p. 31). Essa propriedade além de aumentar o ganho minimiza a perda.

Aplicada à indisciplina escolar, essa propriedade, demonstra a importância de desenvolver o vínculo afetivo com o aluno desde o primeiro contato. Independente do histórico de outros jogos que esse aluno tenha realizado com outros professores sendo o primeiro lance entre esses dois novos jogadores, o professor deve ser gentil; isso pode reduzir o ganho do primeiro lance, mas programa a tendência ao desenvolvimento da cooperação no decorrer do tempo.

A segunda propriedade em comum das estratégias mais eficientes é o “perdão” (...) a propensão a colaborar” (AXELROD, 2010, p. 32). Onde se guarda na memória somente o lance anterior, sem levar em conta o histórico de lances do jogador. Por exemplo, em uma sequencia hipotética de 7 lances, onde se encontra uma interação assim:

Tabela de lances hipotéticos onde apareça o perdão após uma retaliação.

Lances- 1 2 3 4 5 6 7

Professor C D C C D C C

Aluno D C C C C D C


Podemos notar que o professor foi gentil e iniciou o jogo (lance 1) colaborando, seu aluno indisciplinado não, consequentemente o professor desertou (no lance 2) em resposta a deserção do aluno (ocorrida no lance 1). No lance 5 quando o professor desertou (digamos que ele estava de mal humor), o aluno revidou com uma deserção no lance 6. Ouve um retorno à cooperação nos lances 3, 4, e 7, isso indica que o perdão ajuda ao retorno a um ambiente cooperativo.

Essa propriedade explica porque professores muito gentis acabam por ser explorados pelos alunos no que se refere à indisciplina escolar. Imaginemos que para cada colaboração ganhe-se 1 ponto e para cada deserção ganhe-se 5 pontos; no exemplo da tabela 1 o resultado seria igual para ambos (15 – duas deserções e cinco cooperações). Caso o aluno sempre desertasse e o professor colaborasse o resultado seria: professor 7 pontos e aluno 35 pontos. Em outros termos o aluno domina o professor.

Essa ideia de “dominação” de um ou de outro explica os subprodutos emocionais envolvidos na indisciplina escolar. Caso o aluno domine o professor há a Síndrome de Bournout, stress, baixa autoestima, faltas, desanimo depressão; caso o professor domine o aluno há a evasão escolar, absenteísmo, baixa autoestima, depressão, notas baixas, entre outros.

Caso houvesse somente uma deserção de um dos dois, a diferença de pontuação seria de 7 (20% do total de pontos possíveis) à 11 (31,42% dos pontos possíveis). Como ambos não podem receber os 35 pontos , a melhor estratégia busca o melhor resultado aos dois jogadores (20%).

A terceira propriedade: não sentir inveja, evita uma sequencia de deserções quanto menor for o valor de p. Em outros termos, quando há a percepção de que o outro está perdendo menos ou ganhando mais, há a tendência em ocorrer mais deserções daquele que esta perdendo em busca do equilíbrio ao fim do jogo.

Ocorre que essas seguidas deserções não levam os lances novamente a uma sequência de cooperação, pois já estando atrás do outro e desertando continuamente a pontuação não irá ser implementada suficientemente para que ocorra ao menos o “empate”, e por outro lado se cooperando com o outro ele também reduz o ganho do primeiro.

Quando o professor percebe que o aluno esta dominando o jogo passa a desertar mais frequentemente na intenção de: educar, transmitir, dificultar, limitar. Isso não retoma a relação equilibrada de cooperação, só demarca mais a diferença de limiar de frustração do professor e de resiliência do aluno. Quando o aluno percebe que o professor esta dominando, também aparecem subprodutos que evitam a emergência da cooperação, como birra, reclamações, má vontade, etc.

Outra propriedade é não ser esperto de mais. Essa propriedade, talvez a mais ética das quatro, lembra que quanto maior a diferença de resultados maior será a derrota de um e vitória do outro o que distancia o resultado da cooperação em ambos. Quando o professor ou aluno percebem que estão dominando também aparece a tendência para desertar frequentemente na intenção de que o outro ganhe menos.

O cerne do problema dessa propriedade é que a maximização dos ganhos vai refletir no comportamento do outro. Assim, se um sempre deserta o outro também irá desertar sempre.

Essas considerações levam a melhor estratégia encontrada, chamada de “Olho por Olho”, que começa sempre cooperando e depois faz o mesmo que o oponente fez na rodada anterior. Há muito tempo conhecida, mas desenvolvida por Anatol Rapoport da Universidade de Toronto (AXELROD, 2010, p. 29).
Segundo Axelrod (2010, p. 52) o que explica a estratégia Olho por Olho como a mais eficiente é:

[...] sua combinação de ser gentil, retaliadora, clemente e clara. Sua gentileza a previne de se colocar em problemas desnecessários, sua retaliação desencoraja o oponente a persistir na deserção, sua clemência ajuda a restaurar a cooperação mútua e sua clareza é compreensível ao oponente, suscitado assim, a cooperação de longo prazo.

Chalub (s.d., p. 68) esquematiza da seguinte maneira as razões comportamentais para o sucesso da estratégia Olho por Olho:

a) Bondade: nunca é a primeira a Trair (sinônimo de Desertar utilizado neste estudo)
b) Retaliação: Joga Trair sempre que o oponente joga Trair
c) Perdoar: tem memória curta (1 iteração), (sinônimo de lance utilizado nesse estudo).
d) Não é invejosa: não se preocupa em ganhar mais que o oponente, mas sim no valor total.
e) Clareza: os oponentes entendem rapidamente que para ganhar muitos pontos devem jogar Cooperar.

Existem 7 proposições que devem ser levadas em conta ao se decidir por uma estratégia (baseado em Axelrod, 2010). A escolha da estratégia também deve levar em conta a estratégia utilizada pelo outro; mesmo que a estratégia Olho por Olho demonstre sempre os melhores resultados.

Proposição 1: não existe absolutamente uma estratégia melhor independente do ambiente. Por exemplo, há grande diferença de ambiente entre mercado financeiro e instituição escolar. Podemos também considerar o número de alunos indisciplinados em relação ao número total de alunos em sala, um, dois ou mais.

Proposição 2: a estratégia Olho por Olho é coletivamente estável se, e somente se, p for elevado. O que acaba por facilitar no aparecimento da cooperação da resolução da indisciplina escolar em situações que considerem um aluno bastante indisciplinado já que haverá diversos lances em uma única aula.

Proposição 3: qualquer estratégia sendo a primeira a cooperar pode ser coletivamente
estável somente quando p é muito elevado. Em outras palavras, o aluno acreditando que o professor esta disposto a cooperar também desenvolve a tendência a cooperar.

Proposição 4: para que uma estratégia gentil seja coletivamente estável, ela deve ser motivada pela primeira deserção do oponente. Alunos disciplinados aparentemente já tem isso desenvolvido, pois tendem a não desertar no decorrer do jogo mantendo seus ganhos elevados e equiparados aos dos professores.

Proposição 5: estratégias que sempre desertam são coletivamente estáveis. Independente de quem escolha a estratégia “Sempre D ”, professor ou aluno, a resposta da outra parte tende a ser também Sempre D, o que acarreta a impossibilidade de um bom andamento da sala de aula.

Proposição 6: estratégias que conseguem suprimir estratégias Sempre D com o menor valor de p são aquelas que são discriminativas máximas como a Olho por Olho. Em outras palavras, mesmo que o aluno Sempre Deserte, a interação dessa estratégia com a Olho por Olho escolhida pelo professor, acaba por ensinar ao aluno que seus ganhos podem ser aumentados em uma relação cooperativa.

Proposição 7: se uma estratégia gentil não pode ser derrotada por uma estratégia cruel também não o pode ser por um grupo. Essa proposição é interessante no sentido em que mesmo que em sala de aula existam dois ou mais indisciplinados a interação é sempre de 1 para 1. O que acelera o aparecimento da cooperação, pois um aluno indisciplinado tem acesso aos ganhos do outro aluno indisciplinado que começa a cooperar.

Essa sétima proposição esta vinculada a terceira propriedade de escolha da melhor estratégia, não ser invejoso quando o p for baixo. Em alunos disciplinados o p tende a ser maior que em alunos indisciplinados (pois haveriam mais lances entre professor – aluno indisciplinado, acarretando uma diminuição de p), porém quando um aluno indisciplinado inicia lances de cooperação com o professor e outro aluno indisciplinado não, aparece a tendência ao desenvolvimento da inveja no segundo aluno consequentemente acarretando o desenvolvimento da cooperação mútua em alunos de difícil lida em sala de aula.

Essas proposições acabam por esclarecer que estratégias gentis conseguem se proteger de uma maneira que as cruéis não conseguem. Porém a cooperação só vai aparecer em um ambiente cruel caso exista uma interação entre dois ou mais indivíduos que colaborem.

Sorley (1919, p. 283 apud AXELROD, 2010, p. 79) afirma que “causar desconforto aos outros é uma forma indireta de causa-lo a si mesmo”, isso é identificado no Dilema do Prisioneiro quando se levanta que estratégias gentis e que perdoam conseguem um resultado mais adequado, a vingança, retaliação, mágoas, ou uma percepção negativa do histórico de lances acarreta em uma série de deserções infindável.

Como promover a cooperação.

A cooperação mútua pode ser estável quando o futuro é muito importante em relação ao presente porque os jogadores podem utilizar uma “ameaça implícita de retaliação contra a deserção do outro, caso a interação tenha duração suficiente para tornar a ameaça eficaz” (AXELROD, 2010, p. 119).

Quanto maior o número de interações entre professor e aluno maior a probabilidade da cooperação ter sua frequência aumentada. Não é a presença no mesmo ambiente que proporciona a interação entre os jogadores, em sala de aula quanto mais o professor fala menos o aluno interage, alterando o valor do parâmetro de desconto.

Provavelmente por isso que os alunos adorem conversar entre si, eles sempre cooperam.

Outra forma de promover a cooperação é alterar as recompensas. Caso a punição pela deserção seja mais elevada que a recompensa pela cooperação, o Dilema do Prisioneiro deixa de existir. “Se as recompensas forem alteradas, a situação pode mudar de um estado não cooperativo para uma situação de cooperação estável” de maneira prática “é necessário apenas fazer com que o incentivo em longo prazo para a cooperação mútua seja maior que o incentivo no curto prazo para a deserção” (AXELROD, 2010, p. 126).

Há uma diferença de percepção do que seja esse futuro, para que serve e quando ele será usado. Professores tendem a considerar um futuro muito distante, que irá aparecer muito depois da interação ter sido encerrada; ex: futuro profissional. O aluno por sua vez prefere um ganho menor e imediato, ao invés de um grande e distante, isso explica porque eles preferem passar horas na internet ao invés de estudar.

Mesmo que seja impossível competir com a brevidade da recompensa encontrada em mídias digitais, se pode aumentar o incentivo pela cooperação em sala de aula contra indisciplina escolar. Novamente não é aumentar a punição pela deserção, mas sim aumentar o ganho pela cooperação.

Axelrod (2010, p. 126) afirma que o altruísmo pode promover a cooperação da seguinte forma:

Pais e professores despendem um esforço tremendo para ensinar às crianças o valor da felicidade dos outros. Em termos da teoria dos jogos, isso significa que os adultos tentam moldar os valores das crianças para o próprio bem-estar individual, mas pelo menos em certa medida, o bem-estar dos outros. Sem dúvida, uma sociedade constituída por pessoas tão atenciosas terá muito mais facilidade em manter a cooperação entre seus membros, mesmo quando se encontram numa situação do Dilema do Prisioneiro Iterado.

Essa afirmação explica porque os alunos indisciplinados formam um grupo e os disciplinados outro (além de outros grupos); pois até se pode ser cooperativo com todos inicialmente, porém quando em interação com alguém que jogue por uma estratégia não cooperativa há a tendência a ser afastar dela.

Aquela citação também acaba por explicar porque os professores tendem a interagir de forma cooperativa mais com alunos disciplinados. Assim, mesmo com um valor de p menor a cooperação emerge; com alunos indisciplinados mesmo com um valor de p elevado há a tendência de abandonar o jogo de ambas as partes devido as constantes deserções.

A melhor forma de promover a cooperação é ensinar a reciprocidade entre os jogadores, como afirma Axelrod (2010, p. 128):

A cooperação incondicional não apenas prejudica o parceiro, mas também outros inocentes com que o explorador bem sucedido irá interagir no futuro. A cooperação incondicional tende a minar o outro jogador, deixando um fardo sobre o restante da comunidade para corrigi-lo, e sugere que uma base melhor para a moralidade é a reciprocidade e não a cooperação incondicional.

No caso, apresentar a consequência da deserção com outra deserção mesmo com valores diferentes ensina ao aluno o valor da cooperação. Isso explica porque quando o E.C.A. entrou em vigor muitos professores questionaram sua validade, eles estavam acostumados a apresentar um formato de consequência pela deserção do aluno, e ainda não encontraram outra forma. Professores ainda participam da ordem do discurso que qualifica a ameaça de uma punição física como a melhor forma de punir a falta de cooperação por parte do aluno.

O sujeito no discurso pedagógico sobre indisciplina escolar e seu entendimento pelo viés do Dilema do Prisioneiro.

Essas considerações sobre o Dilema do Prisioneiro aplicadas à indisciplina escolar visam a cooperação última entre os jogadores, porém como isso pode influenciar algumas teorizações feitas sobre indisciplina escolar até o momento.

Riboulet (1963, p. 175) escreve: ”para que o subordinado chegue a submissão perfeita, que surja uma circunstância extraordinária, uma crise moral, exija intervenção. (...) ao delinquente”. Em Vasconcelos (2003, p. 474) encontramos: “a moral vem do respeito que adquirimos as regras e esse respeito começa no respeito que temos pelas pessoas que nos impõe tais regras”. E Aquino (2003, p. 384) adverte: “que a intervenção pedagógica não está se processando a contento” e que o “efeito mais evidente é o de que as regras de convívio e funcionamento do campo não estão sendo respeitadas, legitimadas pelos alunos”.

Essas três citações, meras instantâneas separadas por quarenta anos de teorização sobre indisciplina escolar nos mostram alguns pontos interessantes de serem considerados à luz da teoria dos jogos.

Considerando Riboulet (1963) através da interação do Dilema do Prisioneiro podemos notar que aquele autor preconiza uma estratégia Sempre D. Em Vasconcelos (2003) não se nota uma estratégia a ser seguida pelo professor, mas há implícita a ideia de que o estudante precisa compactuar com a estratégia do professor em busca de algo maior que a disciplina, a moral; que aparentemente acarreta no estudante o entendimento do porque obedecer; em outros termos é o estudante que precisa responder à estratégia do professor.

Em Aquino (2003) podemos considerar um paralelo entre intervenção pedagógica e estratégia, que para aquele autor também precisa ser legitimada pelo aluno como resposta a estratégia do professor, independente qual seja ela.

Os três autores, em maior ou menor grau, aprofundamento, e sob pontos de vista diferentes, considera o aluno em um nível diferenciado ao do professor, necessitando deste orientação para compreender e adentrar ao mundo adulto. Esta afirmação está ligada a concepção iluminista de sujeito, que, para ser considerado homem civil deve obedecer a razão, “encarnada na vontade geral” (ROUANET, 1996, p. 203).

De maneira implícita podemos considerar que a partir dos princípios iluministas, levando-se em conta aquilo que os constitui, a estratégia preconizada é Sempre D. Ou considera que a não cooperação por parte do aluno em reposta a deserção do professor é responsável pelo não funcionamento da relação entre lances e consequentemente à falta de cooperação.

Conforme afirma Rouanet (1996, p. 302), o que está em jogo não é uma tomada de posição contra ou a favor do Iluminismo, contra ou a favor da razão e da crítica, “é um combate totalmente contemporâneo, em vista da ressurgência da direita, e de um novo irracionalismo que desponta” (p. 302).

Na terminologia da Teoria dos Jogos isso pode ser considerado como a busca de uma relação do tipo de estratégia Olho por Olho, que entendida através de uma lente ideológica não considera possível que haja dois vencedores em um jogo onde que a tomada de posição de um influencie positivamente o outro.

O que fica então é uma frustração pela estratégia Sempre D não funcionar mais pelo simples fato de que quando emerge uma cooperação mútua deixa-se de ser um vencedor para passar a ser um cooperador, saindo de seu lugar de destaque.

Conforme Souza (2003, p. 122), o movimento iluminista “encontra sua força no argumento racionalista que concebe o homem como constituído pela razão”, ou seja, “dotado dos instrumentos necessários a sua autonomia, cabendo a sua consciência organizar a vida associativa de acordo com os princípios da liberdade e da igualdade”.

Aí encontramos uma possível contradição, se o professor espera do aluno uma estratégia Sempre C (cooperar sempre) porque utiliza uma estratégia Sempre D? Se o objetivo é uma “vida associativa de acordo com os princípios da liberdade e da igualdade”, que entendo como sendo a máxima que envolve o Dilema do Prisioneiro, porque o professor não é gentil e perdoa, iniciando uma estratégia Olho por Olho?

Tal contradição se desfaz quando é explicada, pelos “iluminados” como sendo: não é o professor que não possui uma estratégia adequada, é o aluno que não sabe jogar, afinal a educação não é um jogo.

Neste ponto, então, podemos considerar que, indisciplina escolar pela ótica do discurso vinculada ao Dilema do Prisioneiro, se exibe como uma desqualificação ou não aceitação da estratégia do aluno por parte do professor.

Em outros termos o professor parte do princípio de que é o aluno quem precisa cooperar independente se sua estratégia é cooperativa ou não.


Conclusão

Os ganhos da estratégia Olho por Olho em interação com ela mesma pode ser descrita da seguinte maneira: Σ Dpn = D/1-p’ . E o ganho relativo entre a estratégia Sempre D e a estratégia Olho por Olho pode ser expresso assim: T + Σ Dpn+1= T + Dp/1-p’ (CHALUB, s.d., p. 82).

Em outros termos, quando ambos, professor e aluno usam a estratégia Sempre D, o resultado é a soma das interações deserdadas menos a soma das jogadas cooperativas que não foram feitas . O que apresenta um resultado menor que a interação entre estratégias Olho por Olho.

Quando o professor exige a cooperação do aluno gera uma deserção, quando o professor simplesmente coopera promove a cooperação da outra parte. Então o professor peca pelo exagero? Também, pois não podemos nos esquecer da parcela do discurso sobre indisciplina escolar que pressupõe antecipadamente a deserção por parte do aluno.

Será essa então a prova matemática de que a responsabilidade pela manutenção da indisciplina escolar advém do professor pela simples falta de bondade, perdão, não inveja e clareza? Em parte, pois prece que os professores em posição defensiva deixam de retaliar.

Parece-me então, que o que falta ao professor é a explicitação clara de sua estratégia, que não deve ser confundida com os “combinados” de início de ano, que devido ao parâmetro de desconto paulatinamente deixam de ser utilizados, além de serem bem mais confusos que a expressão “eu nunca vou desertar antes que você, você deserta e só então eu deserto”.

Um dos problemas identificados no presente estudo é a constituição do sujeito nas teorias utilizadas no entendimento da indisciplina escolar. Tornam-se prementes duas novas preposições no entendimento desse fenômeno, uma teórica e uma prática.

Uma nova teorização sobre como é constituído o sujeito estudante / aluno. Pois, considerar antecipadamente que ele sempre desertará pela falta de iluminação por não ser adulto inviabiliza a emergência da cooperação.

Um novo posicionamento prático por parte do professor que passa a cooperar sempre que possível e desertar se, e somente se, o aluno não cooperar. Quem sabe resida ai a parcela moral tão esperada pelos teóricos.

Uma pergunta ainda foi deixada de lado, de propósito, o que é cooperação? Essa pergunta não será respondida. Não é um comportamento da outra parte que precisa de cooperação. Cooperação deveria ser princípio de vida.



Referências

ALMEIDA, A. N. Teoria dos Jogos: as origens e os fundamentos da Teoria dos jogos. Disponível em: http://www.ccet.ufrn.br/matematica/lemufrn/Artigos/Texto%20sobre%20TEORIA%20DOS%20JOGOS.pdf . Acesso em: 08/11/2011.

AQUINO, J. G. Disciplina e indisciplina como representações da educação contemporânea. In: BARBOSA, R.L.L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003. p. 377–385.

AXELROD, R. A evolução da cooperação. São Paulo: Leopardo, 2010.

CHALUB, F. A. C. C. Introdução à teoria dos jogos. Disponível em: http://strato.impa.br/videos/BIOMATH/fabio2.pdf . Acesso em: 8/11/2011

RIBOULET, L. Disciplina preventiva. 3. ed. São Paulo: F.T.D., 1963.

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

SANTOS, R. R. Modelo estratégico financeiro baseado na teoria dos jogos e no equilíbrio de Nash. Disponível em: http://www.cpgls.ucg.br/ArquivosUpload/1/File/CPGLS/IV%20MOSTRA/NEGCIO/Modelo%20Estrategico%20Financeiro%20Baseado%20va%20Teoria%20Dos%20Jogos%20e%20no%20Equilibrio%20de%20Nash.pdf . Acesso em 08/11/2011.

SOUZA, M. Fios e furos: a trama da subjetividade e a educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 26, p. 119 - 133 ago. 2003.

VASCONCELOS, M. S. Disciplina e indisciplina como representações na educação contemporânea: a ética da obediência. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003. p. 465 – 477.

ZUBEN, F. J. V. Teoria de Jogos. Disponível em: ftp://ftp.dca.fee.unicamp.br/pub/docs/vonzuben/ea072_2s06/notas_de_aula/topicoP2.7_06.pdf Acesso em: 08/11/2011.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O fim da indisciplina escolar.

Por esses dias eu estava andando e comecei a pensar na evolução do conceito da indisciplina escolar, nos comportamentos específicos que são efetivamente indisciplina escolar e cheguei a uma conclusão estranha, provavelmente esteja errada, porém gostaria de compartilha-la com vocês e esperar controvérsias. Por favor, me contradigam!

Indisciplina escolar começa a ser assim qualificada em um contraponto a disciplina eclesiástica que à época era a responsável por ensinar a população. Disciplina originalmente estava relacionada ao controle do corpo físico (você pode ver mais sobre isso nesse mesmo blog), creio eu, então, que crianças ou não religiosos teriam dificuldade em controlar o corpo; não haviam sido treinados para isso ou não tinham a dita vocação.

Quando a escola, em seus primórdios, se torna mais acessível à população a indisciplina escolar esta vinculada a uma diferença no comportamento entre clérigos (ou futuros clérigos) e não clérigos; como quem esta em sala e observa esses comportamentos é um padre (ou similar) seu padrão de comportamento adequado é o de controle do corpo. “Mente sã em corpo são”.

Então, indisciplina escolar é uma relação entre o padrão e seu observador que tinha já uma história nesse mesmo padrão. O padrão é mais ou mesmo o seguinte, fico bocejando durante a missa – aperto os lábios e aperto a língua no céu da boca (funciona); minha perna fica “pulando” durante as orações – coloco um cilicio; fico pensando em “bobagens” durante as tarefas do dia – rezo continuamente. Logo, nada mais natural de que a mão que escreve o “erro” seja punida com a palmatória, quando me levanto sem permissão e meus pés se desviam do “bom caminho” ajoelhe no milho, quando minha cabeça não pensa na resposta certa uso um chapéu de burro.

Aparentemente o diabo estaria presente na parte do corpo que comete a indisciplina escolar, nada mais adequado que expulsar esse diabo com desconforto físico; existe algum santo que foi para o céu sem um sofrimento na carne? Sempre que entro na igreja tem imagens de santos sendo queimados, varados por diversas flechas, fritos em caldeirões, etc. Ora, se o professor já tinha passado por isso tudo e acreditava nisso, nada mais “justo” que exigir o mesmo de seu aluno para que esse atinja o mesmo “nível” de iluminação religiosa ou acadêmica. Chegamos à demonização da indisciplina escolar, pois se o padre é o representante de Deus na terra ele sabe o caminho para o céu; para se obter o “mapa” um ritual é exigido, a auto flagelação do corpo; afinal não dá para entrar no céu com um capeta na mão...

E tem mais, o “lugar” professoral é respeitado pela comunidade que quer o mesmo “lugar” em outros termos o status social de ser professor. Os ganhos financeiros claramente seriam superiores se se suportasse as provações do caminho, o que era incentivado pela família do aluno.

No ultimo século, - mais especificamente da metade em diante, anos 50 a 90 – a indisciplina escolar passou daquilo a algo que complica a vida escolar. Digo “complica” para não aprofundar em pesquisas, as mais diversas, que versam sobre o tema. A indisciplina escolar deixa de ser encarada como um pedaço de demônio na criança para ser considerada um objeto de estudo, válido, de algo que compromete a aprendizagem da criança. Aparece a relação professor – aluno, entre todas as outras possíveis causas da indisciplina escolar essa chama a atenção por iniciar um questionamento de que o professor tem uma parcela de culpa nesse fenômeno.

Pesquisas observam comportamentos vinculados a moral do aluno, como algo que deve ter sua origem na família, na sociedade, nas drogas, em outro ambiente fora da escola; em outros termos, se não é o capeta é o que? Não sabemos, mas não tem nada há ver com a escola. (Obviamente é um pensamento simplista que não observa todas as variáveis contidas no contexto desse processo.)

Entre a indisciplina escolar e o bully, houve uma passagem rápida pela relação familiar e a permissividade presente nas famílias. Os mimos sempre eram de mais, as crianças tinham tudo e podiam tudo, os pais aparecem como reféns dos caprichos de seus filhos. E aqui independe se isso procede ou não. Delimito aqui sua aparição, pois ela também aparece como uma das responsáveis pelo bully, ou aumento da indisciplina escolar.

Depois de um tempo, e mais pesquisas, a indisciplina escolar começa a perder espaço para algo que, agora, preocupa um pouco mais as escolas, o bully. A indisciplina escolar perde seu local de destaque (acredito que tenha sido um alivio para a escola) para algo que envolve a relação aluno – aluno. Os envolvidos na escola agora se preocupam com a segurança psicológica do aluno olhando para outro lado.

Qual o assédio moral que o aluno sofre por seus semelhantes? O politicamente correto agora não envolve a aprendizagem do aluno e sim as condições que a escola propicia para a segurança da criança. Dentro ou fora da sala de aula, e isso inclui ambientes virtuais, é aquilo que o aluno faz com outro aluno que “complica” a vida da escola.

Passamos por expulsão do demônio, indisciplina e bully; cada termo desses é referente a uma época histórica com valores sociais e culturais pertinentes relacionados a seus determinantes. A sociedade evolui (ainda bem) e nos dias de hoje não é aceito que o alunos seja seviciado pelo professor (Roma). O termo dos dias de hoje parece ser o niilismo presente no objetivo do comportamento da criança e do jovem. Obviamente não considero que esses objetos ocorram em uma sequencia, ou sejam sinônimos dos mesmos comportamentos.

Então surge a pergunta, e não se trata de pergunta vã que envolve modismo, depois do bully o que virá?

Nos últimos tempos chacinas escolares vem se tornando cada vez mais frequentes; alunos que vão armados a aula; que executam algo mais que bully. A violência esta cada vez mais presente e sinto medo que esse seja o novo mote das pesquisas acadêmicas, reflexo daquilo que acontece nas escolas.

Quem sabe quando o bully for tão pesquisado quanto a indisciplina escolar; quando a violência escolar tome vulto comum irrevogável e também seja objeto de pesquisas e possíveis atuações práticas algo ocorra que a escola foque naquilo que importa. E o que será isso?

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Bart Simpson e sua punição.

***
Estou escrevendo um artigo sobre as frases que Bart Simpson escreve na abertura dos Simpsons, como faço referencia a elas no artigo, resolvi postá-las aqui.
Seguem vinte tabelas com todas as frases das vinte primeiras temporadas.
Com data de exibição no Brasil, número do episódio geral e numero do episódio na temporada, código utilizado pela produção, o texto em Inglês, a tradução para o Português e o Titulo do episódio.
Como as informações foram colhidas durante 3 anos, em diversos sites e livros não me é possível indicar todas as fontes.
Assim que a publicação sair aviso a todos.
Obrigado



Temporada 1


Temporada 2


Temporada 3


Temporada 4


Temporada 5


Temporada 6


Temporada 7


Temporada 8


Temporada 9


Temporada 10


Temporada 11


Temporada 12


Temporada 13


Temporada 14


Temporada 15


Temporada 16


Temporada 17


Temporada 18


Temporada 19


Temporada 20

domingo, 4 de setembro de 2011

O FIM DA INFÂNCIA



Bom dia a todos.
Por esses dias eu li um livro bem interessante, chamado “O fim da infância” de Arthur C. Clarke. Como pesquisador, e leitor de ficção científica, resolvi ler e descobrir sobre o que se tratava e se havia algum vínculo com indisciplina escolar. De maneira indireta haveria uma inquietação que poderia ser correspondente.

O livro começa com naves espaciais cobrindo o céu das maiores cidades do mundo; os extraterrestres não tentam dominar a terra, mas mandam nela através da coerção. Depois de muitas páginas (uns 100 anos) os alienígenas se revelam e começam a interagir pessoalmente com os terráqueos. Durante esse tempo todo não se sabe o que querem os alienígenas e chega-se a conclusão de que estão estudando a terra e seus habitantes. Sinceramente o envolvimento das crianças vai acontecer lá pela pagina 200, e já estava chegando a desconfiar que não ocorresse o fim da infância no livro. Porém, depois de várias reviravoltas os alienígenas levam as crianças embora da terra, pois elas passaram por um salto evolutivo psíquico (por assim dizer na falta de termos melhores). Então a terra fica para trás habitada somente por adultos que não podem mais se reproduzir (por alguma razão); então é o fim da infância na terra e da própria terra.

A partir daí ocorre a destruição da terra, e é isso que interessa e pode ser vinculado a indisciplina escolar. Em minha pesquisa do mestrado onde analisei o discurso pedagógico sobre indisciplina escolar, um dos cinco discursos identificados foi a “desqualificação do trabalho docente”; segundo esse discurso dos professores consideram que expressões de indisciplina estariam afrontando sua “dignidade profissional”.

Trecho da dissertação...
[...] as professoras entrevistadas apresentam, de maneira arraigada, a afirmação de que a docência é um trabalho. As professoras entrevistadas não se referem a sua atividade como educar, formar ou transmitir, consideram o magistério especificamente um trabalho. Assim, a indisciplina, como resistência imatura, em algumas ocasiões, seria indicação de que o aluno estaria desqualificando o trabalho docente. Vale ressaltar que a categoria desqualificação do trabalho docente foi a mais recorrente nas entrevistas. Ali encontramos afirmações categóricas de que os professores devem a todo custo trabalhar, mas a indisciplina escolar impediria que isso seja feito.

Assim, conversas paralelas, gritos, celular entre outros, impedem a realização do trabalho docente. Nas afirmações das professoras entrevistadas há uma forte crença de que a indisciplina seria tempo perdido de trabalho e de estudo. Aqui podemos nos questionar se quando os professores realizam seu trabalho, isso faz com que o aluno aprenda?! E, se não aprendeu, seria indisciplina?! Haveria assim uma resignificação daquilo que as conversas paralelas, e outras expressões de indisciplina, representam. Mas, caso a professora as perceba, são consideras uma desqualificação do trabalho docente, caso não as percebam enquadram-se em outra categoria.

A ideia de indisciplina como desqualificação do trabalho docente foi a categoria mais recorrente no discurso das professoras entrevistadas. Aqui, podemos nos perguntar se o que atrapalha as professoras na realização de seu trabalho seria o aluno do outro lado. Como afirmam as professoras entrevistadas, o trabalho do aluno é estudar, e o aluno indisciplinado é aquele que não trabalha, desqualificando o trabalho das professoras.

No discurso das professoras fica aparente o entendimento de que ser professor é um trabalho com requisitos claros a sua execução, exemplificados como recato no vestir (sem decote), chegar na hora, preparar a aula e não faltar, entre outros, mas não é dever do professor tolerar indisciplina escolar. Isto porque que o professor já é tido (e autointitulado) como capacitado a formar outros. Ele já foi “iluminado”, obtendo o direito de fazer o possível para alcançar o seu fim.

Assim, o professor, chancelado socialmente, possuiria o direito de afirmar que qualquer atividade não autorizada poderia ser entendida como indisciplina escolar. Quando o aluno não se emoldura no entendimento que o professor tem do que é ser aluno, que de acordo com as professoras também se configura como um sujeito que deve trabalhar (estudar), ele está desqualificando o trabalho docente.

Essa afirmação comprova a posição de Meirieu, quando escreve que nas duas últimas décadas “debruçar-se” (2002, p. 99) sobre a criança seria uma fraqueza imperdoável, uma negação e uma recusa a educação. Assim, qualquer instigação disciplinar é entendida como uma desnecessária intervenção, e qualquer coisa que não seja do dever de aluno seria uma desqualificação do trabalho docente.
Dessa maneira, a indisciplina não seria responsabilidade do professor ou do modo como exerce seu trabalho. Entretanto, o professor poderia certificar quem ou o que pode ser categorizado discursivamente como sendo indisciplina, qual sua causa. [...].

E então surge a pergunta, e se não houvesse mais alunos? Se eles passassem por um “salto evolutivo psíquico” e se tornassem mais capazes que os adultos? As escolas esvaziadas, com carteiras desocupadas, quadro negros em branco, luzes apagadas. O que os professores fariam? Reclamariam que não existiriam mais escolas ou que não existiam mais alunos? Eles trabalhariam com o que? Qual a função do professor? Para que serve um professor sem aluno? Um professor sem aluno se torna o que? Um aluno sem professor vira o que? O caminhar da sociedade estaria extinto, nos termos do livro, “O Homo sapiens estava extinto” (CLARKE, 2010, p. 266).

O outro lado da pergunta seria, se os professores abandonassem a escola na espera de uma “qualificação” do seu trabalho docente, o que ocorreria? As escolas cheias de alunos, mas sem ninguém a ensina-las. Uma possível resposta a essa pergunta pode ser encontrada em “A Revolta de Atlas” de Ayn Rand.

A provável resposta é os alunos não percebem que o professor esta trabalhando, nem que eles estão trabalhando. Talvez eles, os alunos, já tenham dado o salto evolutivo que os capacite a entender que a escola e tudo envolvido nela nada mais é que um rito social necessário a sua manutenção autofágica.

Postman em seu livro “O desaparecimento da infância” (1999) considera que a vergonha seria a responsável pela segmentação entre adulto e infante, e que o livro (pós Gutenberg) seria um local dos segredos dos adultos o qual as crianças só teriam acesso através da educação.

Me parece que nos dias atuais ocorre justamente o contrário, é a internet que separa os conhecedores do código dos desconhecedores, que agora são os adultos. A linguagem evoluiu para um nicho hermético da juventude. O discurso de que a escola e a educação formal seriam importantes às crianças não é mais aceito por elas.

A infância já acabou e as crianças desapareceram, a sociedade é que ainda não se percebeu disso. Elas têm acesso a um conhecimento a qual os adultos precisam ser alfabetizados. Melhor, a infância não desapareceu nem teve seu fim, ela evoluiu a algo melhor que ser adulto. “As estrelas não são para o homem” (CLARKE, 2010, p. 272).

quinta-feira, 21 de julho de 2011

CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO; BASES FILOSÓFICAS DA EDUCAÇÃO.

Esse texto eu havia escrito em 2009... nem sei mais se concordo com ele ou se ele esta 100%, mas como eu o achei hoje no meu computador resolvi postá-lo. Espero que gostem. Abraços Ivan.


O presente texto trata da constituição do sujeito identificado no discurso pedagógico sobre indisciplina escolar em três textos considerados Riboulet (1963), Vasconcelos (2003) e Aquino (2003).

Existe certa similaridade que permeia a idéia de sujeito no discurso pedagógico dos três autores: o entendimento de que o aluno necessita ser elevado a condição adulta pela educação, tendo o professor como o responsável por iluminá-lo.

Riboulet (1963, p. 175) escreve: ”para que o subordinado chegue a submissão perfeita, que surja uma circunstância extraordinária, uma crise moral, exija intervenção. (...) ao delinqüente”. Em Vasconcelos (2003, p. 474) encontramos: “a moral vem do respeito que adquirimos as regras e esse respeito começa no respeito que temos pelas pessoas que nos impõe tais regras”. E Aquino (2003, p. 384) adverte: “que a intervenção pedagógica não está se processando a contento” e que o “efeito mais evidente é o de que as regras de convívio e funcionamento do campo não estão sendo respeitadas, legitimadas pelos alunos”.

Os três autores, em maior ou menor grau, aprofundamento, e sob pontos de vista diferentes, consideram o aluno em um nível diferenciado ao do professor, necessitando deste a orientação para compreender e adentrar ao mundo adulto. Esta afirmação está ligada a concepção iluminista de sujeito, que, para ser considerado homem civil deve obedecer a razão, “encarnada na vontade geral” (ROUANET, 1996, p. 203).

Conforme afirma Rouanet (1996, p. 302), o que está em jogo não é uma tomada de posição contra ou a favor do Iluminismo, contra ou a favor da razão e da crítica, “é um combate totalmente contemporâneo, em vista da ressurgência da direita, e de um novo irracionalismo que desponta” (p. 302).

Boufleuer (2006, p. 310) escreve:
A moderna educação, pelo visto, vai se justificar enquanto ação de condução das novas gerações a ‘luz’ da razão, precavendo elas das ‘trevas’ da ignorância e da tirania dos poderes baseados na supertição, nos dogmas e no obscurantismo e que atendam contra a felicidade neste mundo. A educação vai se fazer necessária como medida preventiva contra o retrocesso ao antigo regime e a tradição medieval, bem como ação preparatória para uma sociedade que ainda é mais projeto do que realidade.

Kant (1724-1804) (1999, p. 14) afirma: “o homem não pode se tornar um verdadeiro homem senão pela educação. Ele é aquilo que a educação dele faz”. Esta afirmação de Kant faz remissão a outros três conceitos relacionados: disciplina, regra e felicidade.

De acordo com Caygill (2000, p. 104), para Kant, disciplina é entendida como “a coação graças a qual a tendência permanente que nos leva a desviar-nos de certas regras é finalmente extirpada”. Regra, para Kant, possui dois sentidos como condição e processo; o primeiro sentido é a regra prática, “é sempre um produto de razão, porque prescreve a ação como um meio para um efeito que é seu propósito”; o segundo sentido é a regra de habilidade, “como essa regra é aplicada a fim de se atingir um determinado fim” (CAYGILL, 2000, p. 277). Kant vincula felicidade opositivamente a liberdade (princípio de liberdade do legislador interno, ou eleuteronomia), e afirma que, caso o princípio de felicidade (eudaimonismo) seja o princípio de ação, o resultado será a eutanásia de toda a moral (CAYGILL, 2000, p. 148). Para Kant (1991, p. 43 apud CAYGILL, 2000, p. 148), “a humanidade ‘não deve participar de qualquer felicidade ou perfeição a não ser aquela que [os seres humanos] obtiveram por si mesmos sem intervenção do instinto e por sua própria razão”.

Conforme Souza (2003, p. 122), o movimento iluminista “encontra sua força no argumento racionalista que concebe o homem como constituído pela razão”, ou seja, “dotado dos instrumentos necessários a sua autonomia, cabendo a sua consciência organizar a vida associativa de acordo com os princípios da liberdade e da igualdade”. Em outras palavras, segundo o ideário do Iluminismo, em decorrência da sua constituição racional dos seres humanos “poderiam assumir a maioridade cognoscente e política, viabilizada, no plano político, pela implantação da idéia da igualdade e da liberdade, e, no plano social, pela extensão do conhecimento através da disseminação da educação”.

De qualquer modo, o aluno entendido por natureza como mal deve ser descrito imparcialmente, sem julgamento de valor e se a natureza é o mal, para modificá-la é preciso praticar o crime. “Punindo o crime, a moral é contrária a natureza”, ela é, portanto, “puramente convencional e não somente convencional e não somente não se funda na natureza como está em contradição direta com ela” (ROUANET, 1996, p. 213, 214).

Esse sujeito presente no discurso pedagógico sobre indisciplina escolar demonstra não só o entendimento que o professor possui da posição do aluno, mas também o percurso que este aluno deve percorrer para alcançar o estatus de adulto.
A felicidade, a natureza e o mal devem ser transpostos pela educação, mediante a supervisão de um adulto, para possibilitar ao aluno alçar a liberdade vinculada a moral e a racionalidade. Isso, segundo Meirieu (2002, p. 138), apresenta uma contradição entre a “educação como reconhecimento de um sujeito já existente e a educação como formação de um sujeito que só terá esse estatuto no final do processo educativo”.

Neste ponto, então, podemos considerar que, indisciplina escolar pela ótica do discurso, se exibe como uma tentativa de o aluno se afirmar como sujeito com certa parcela de razão e que não é reconhecido pelo professor.

REFERÊNCIAS


AQUINO, J. G. Disciplina e indisciplina como representações da educação contemporânea. In: BARBOSA, R.L.L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003. p. 377–385.
BOUFLEUR, J. P. O paradigma da comunicação e a re-configuração do espaço pedagógico. In: TREVISAN, A. M.; TOMAZETTI, E. M. (Org.). Cultura e alteridade. Ijuí: Unijuí, 2006. p. 143 – 155.
CAYGILL, H. Dicionário Kant. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
CAMBRIDGE; Cambridge Advanced Learners Dictionary, 3. ed. São Paulo: Cambridge do Brasil, 2008
KANT, I. Sobre a Pedagogia. 2. ed. Piracicaba, SP: Unimep, 1999.
MEIRIEU, P. A Pedagogia entre o dizer e o fazer. Porto Alegre: Artmed, 2002.
RIBOULET, L. Disciplina preventiva. 3. ed. São Paulo: F.T.D., 1963.
ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
SACRISTÁN, J. G. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.
SOUZA, M. Fios e furos: a trama da subjetividade e a educação. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 26, p. 119 - 133 ago. 2004.
VASCONCELOS, M. S. Disciplina e indisciplina como representações na educação contemporânea: a ética da obediência. In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Formação de educadores: desafios e perspectivas. São Paulo: UNESP, 2003. p. 465 – 477.

domingo, 12 de junho de 2011

Mais uma atividade estranha... que quem da a nota é a tia da limpeza.

Sim, esse blog é sobre indisciplina escolar...
No início desse ocorreu uma situação pouco comum em uma escola. Um aluno tentou colocar fogo no lixo do banheiro masculino. Felizmente o fogo não se propagou tendo sido apagado por um professor e dois alunos que estavam por perto. O responsável por isso não foi identificado.
Após uma semana de punições, acareações, investigações e revoltas, o assunto “meio que morreu”. Porém os alunos ainda estavam chateados com o colégio, e com o individuo que havia feito o ato de incivilidade. Obviamente havia suspeitos, dos três, dois eram da mesma sala, mas nada de concreto.
Nas duas salas onde se encontravam os suspeitos resolvi ir dar aula no banheiro, todos os alunos (35 em uma turma e 34 na outra) primeiro entraram no banheiro masculino e os comentários foram: das meninas; que nojo! Que fedor! O que que vocês fazem aqui? Meu deus! Vocês são uns porcos! Os meninos só riram. Como o fedor realmente era MUITO forte fomos ao banheiro feminino. Os comentários dos meninos foram: óóó! Vocês tem espelho! Que cheirinho bom! Ó, não fede! Não tem papel molhado no ralo. Voltamos a sala quando a quantidade de meninas querendo usar o banheiro era grande.
Em uma das salas havia um casal de namorados e a menina disse: querido, você não faz essas porquisses né? Aproveitei a deixa e pedia às garotas que tinham namorado no colégio cobrassem mais higiene de seus namorados.
Ai tive uma ideia, cada equipe de cinco estudantes iria ficar responsável por fazer um cartaz que propiciasse higiene; não fazer xixi no chão, lavar as mãos, não jogar papel no chão, economizar água, etc. os cartazes seriam colocados nos banheiros masculino e feminino. Na imagem a baixo, os “X” em vermelho marcam onde os cartazes seriam colocados. No banheiro feminino foram as meninas que escolheram onde seriam afixados de acordo com os mais sujos. No banheiro masculino, também foram escolhidos os mais sujos.



A atividade foi realizada durante quatro semanas, cada semana por uma turma diferente.

O mais importante dessa atividade é que, quem daria a nota ao grupo de alunos é a Sra. da limpeza, ao final da semana ela avisaria a mim, qual o local mais limpo proporcionalmente. De acordo com a Sra. da limpeza, houve uma redução de 30% no uso de produtos de limpeza, e de 50% no braço (em outras palavras, o trabalho dela foi mais tranquilo).

A baixo a imagem de alguns cartazes colados nos banheiros.


Esse estava no banheiro feminino.








Esses estavam no banheiro masculino

domingo, 29 de maio de 2011

Experimento de Reforço x Punição para indisciplina escolar ensino médio (no método SESI)

Como já disse anteriormente sou professor de Psicologia no ensino médio no SESI-FAMEC em Curitiba.
Como pesquisador de indisciplina escolar, formado em Psicologia, resolvi realizar um experimento prático de reforço x punição para identificar qual deles funcionaria na prática. (baseado na economia de fichas... clááásico)

As porcentagens apresentadas são aproximadas.

Utilizei grupos de três turmas. Três turmas de controle (C), três reforçadas por comportamentos de estudo (R), e três punidas por comportamentos de indisciplina (P).
Turmas controle contavam com C¹ = 35 estudantes, C² = 34 estudantes, C³ = 35 estudantes; total de 104 estudantes.
Turmas reforço contavam com R¹ = 34 estudantes, R² = 35 estudantes, R³ = 34 estudantes; total de 103 estudantes.
Turmas punição contavam com P¹ = 33 estudantes, P² = 34 estudantes, P³ = 35 estudantes; total de 102 estudantes.
No primeiro dia de aula as regras foram explicadas e aceitas por todas as turmas dos grupos R e P, sem que as turmas soubessem que havia um grupo de “punidos” e outro de “reforçados”; o grupo C não recebeu nenhuma orientação quanto ao comportamento em sala.

Grupo P
O grupo P (1,2 e 3) seria punido da seguinte forma: caso houvesse conversas paralelas (envolvendo mais de 4 estudantes) fora do conteúdo da aula eu ficaria em silêncio, isso poderia acontecer por 3 vezes durante o bimestre, após o terceiro silêncio eu daria uma “tarefa de casa” envolvendo o assunto trabalhado, escrito a mão com no mínimo 20 linhas. Caso o estudante estivesse com o celular à mão (independente do uso), ele seria recolhido por até três vezes e devolvido ao final da aula, recolhido pela quarta vez o celular seria entregue à secretaria para os pais virem retirar o aparelho. Caso o aluno estivesse fazendo tarefa de outra matéria durante a aula de psicologia a tarefa seria recolhida por três vezes para ser devolvida ao final da aula, a partir da quarta vez o trabalho seria jogado pela janela da sala.

Grupo R
O grupo R (1,2 e 3) seria reforçado com uma “nota de dez legais” (imagem a baixo) por cada comportamento de: pesquisa de conteúdo, criatividade, tarefa de casa acima da média, participação pertinentes em discussões em sala de aula, silencio da equipe, se corrigissem o professor. A cada 10 notas de dez legais a equipe poderia trocar por não precisar fazer uma atividade e tirar conceito máximo mesmo assim; caso a equipe não tivesse as 10 notas para trocar, o estudante que havia ganhado a nota poderia troca-la para utilizar o notebook durante uma aula, caso o estudante quisesse “matar aula” ele poderia trocar por uma nota de dez, caso o aluno quisesse utilizar o celular para “twittar” poderia fazê-lo desde que trocasse por uma nota de dez; e casos semelhantes.
Nota: como a metodologia do SESI é diferenciada e os alunos trabalham em equipes de cinco pessoas as notas seriam somadas para evitar uma atividade avaliativa, porém poderiam ser utilizadas individualmente caso o estudante assim desejasse.
As notas seriam recolhidas e trocadas por conceito na penúltima aula do bimestre, o que possibilita a reutilização em outros bimestres.

Grupo C
No grupo C (1,2,e 3) não houve nenhuma mudança de comportamento por parte do professor.

Resultados apresentados na aula de psicologia.
Grupo P: cada vez que eu ficava em silêncio a turma logo se mobilizava. Em outras palavras, um estudante percebia o silêncio e berrava com a turma “o professor ta querendo falar!”, quando a turma ficava em silêncio eu agradecia ao estudante que berrou “obrigado” inclinando a cabeça, e fazia a contagem do silêncio “esse é o segundo silêncio, mais um, e a partir daí eu carco trabalho no lombo de vocês, certo? Vamos lá” e voltava a aula como se nada houvesse acontecido. No terceiro silêncio a fala era outra “esse é o terceiro e último silêncio, se vocês estão com tempo livre para bagunçar, eu posso ocupa-lo para vocês com trabalho, então... mais um e é trabalho ok?” e esperava a concordância da turma. (em termo mais acurado a turma entrava em ansiedade, em vez de “se mobilizava”)
A turma P¹, precisou fazer 4 trabalhos. O primeiro trabalho, todos fizeram; o segundo trabalho pouco mais da metade fez, no terceiro trabalho 5 estudantes fizeram e a partir daí ninguém mais fez mesmo sabendo que receberiam nota zero.
A turma P², precisou fazer 2 trabalhos. Nos dois trabalhos, cerca de dois terços dos estudantes realizaram a “tarefa de casa”.
A turma P³, precisou fazer 3 trabalhos. O primeiro trabalho todos fizeram, no segundo trabalho dois terços fizeram, no último trabalho nenhum estudante fez.

Quanto a recolher celulares e cadernos; quando eu via alguém na sala fazendo tarefa de outra matéria, eu ia “sorrateiramente” até ao seu lado e pegava o caderno sem dizer nada, e o levava à mesa do professor. Quanto aos celulares eu estendia a mão e dizia, “esse ainda é estrike 1 (ou 2 ou 3, esse termo foi utilizado porque eles estavam tendo Beisebol na aula de educação física, e a cada 3 estrikes o batedor esta fora ...) pega no final da aula, se alguém ligar eu atendo”. Nenhum celular foi recolhido à secretaria, nem nenhum caderno precisou ser jogado pela janela; isso em todo o grupo P (1,2 e 3).

Grupo R
Turma R¹: o barulho na turma era mais elevado que as turmas do grupo P, e as do grupo C, porém absolutamente todos os estudantes fizeram todos os trabalhos pedidos. Quando um aluno estava fazendo muita bagunça eu reforçava outro aluno, com uma nota de dez, que estava participando. Nenhum aluno utilizou a nota para acessar a internet, nem para matar aula. A nota média da turma R¹ foi, em média, 35% mais elevada que o grupo R e 25% mais elevada que o grupo C.
Turma R²: o barulho na turma também foi mais elevado que as turmas do grupo P e as do grupo C. Da mesma maneira todos os estudantes fizeram todos os trabalhos pedidos. Somente um aluno utilizou a nota para acessar a internet (com objetivo de responder a uma pergunta do professor), nenhum aluno utilizou a nota para matar aula. A nota média da turma R² foi, em média, 30% mais elevada que o grupo P e 20% mais elevada que o grupo C.
Turma R³: o barulho na turma foi muito mais elevado que as turmas do grupo P, e também muito mais elevado que as turmas do grupo C. Da mesma maneira todos os estudantes fizeram todos os trabalhos pedidos. Um aluno utilizou a nota para acessar a internet via celular (assistir uma propaganda via Youtube para aprofundar o conteúdo da aula). Houve um aluno que utilizou a nota para compensar uma falta, não para “matar aula”, o que foi recompensado com uma nova nota ao aluno. A nota média da turma R³ foi, em média, 32% mais elevada que o grupo P e 15% mais elevada que o grupo C.

A turma C se manteve normalmente.


Resultado pela perspectiva de notas.

Resultado de notas entre grupo R.
R¹ 95% da turma conceito E; 5% B.
R² 95% da turma conceito E; 5% B.
R³ 90% da turma conceito E; 10% B.

Resultado de notas entre grupo P.
P¹ 30% da turma conceito E; 30% conceito B; 30% conceito S; 10% conceito I.
P² 20% da turma conceito E; 40% conceito B; 30% conceito S; 10% conceito I.
P³ 20% da turma conceito E; 30% conceito B; 30% conceito S; 20% conceito I.
Nota: tendo como base o aluno individualmente houve uma melhora de 30% nas notas do bimestre anterior.

Resultado de notas entre o grupo C.
C¹ 10% da turma conceito E; 30% conceito B; 40% conceito S; 20% conceito I.
C² 30% da turma conceito E; 30% conceito B; 20% conceito S; 20% conceito I.
C³ 30% da turma conceito E; 30% conceito B; 30% conceito S; 10% conceito I.
Nota: tendo como base o aluno individualmente não houve mudança nas notas do bimestre anterior.


Resultados apresentados em outras disciplinas: somente três professores comentaram de maneira espontânea uma mudança comportamental das turmas. Um comentou sobre a turma P² “eles parecem assustados...”. Os outros dois professores comentaram sobre a turma R¹ “o que que você fez com eles que eles estão tão participativos?”, outro professor “você tem que parar de fazer essas coisas, minha matéria já esta no fim e ainda falta uma semana para terminar o bimestre...”.
Não houve comentários sobre a turma C.

Custo das notas de dez legais: 1000 unidades R$150,oo reais.


Comentários: o mais difícil foi, eu me forçar a reforçar os alunos, no início eu distribuía bem poucas notas até perceber que seria quase impossível alguma equipe ajuntar 10 notas; a partir daí me policiei e distribui bem mais notas o que fez o resultado ser mais rápido ainda.


A baixo um gráfico APROXIMADO dos comportamentos de cada grupo. A linha da turma C foi feita dessa maneira para representar sua flutuação de comportamento na média das outras duas. Todas a linhas iniciam-se no ponto 0, primeira aula do bimestre, e terminam na penúltima aula do bimestre, totalizando 8 aulas.





A baixo a nota distribuída na turma R (feita por mim mesmo).

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Minha ausência, e bolinhas de papel.

Não tenho postado muita coisa ultimamente. Peço desculpas por isso. Fui contratado pelo colégio SESI (40hs) para aulas de Psicologia ensino médio, então meus horários ainda não estão muito certos... mas já já volto a postar. Tem ocorrido muitas coisas estranhas... Uma delas, é que minhas aulas estão concorridas de mais para alunos entre 14 e 18 anos. Alunos do período da tarde vêm pela manhã para assistir minhas aulas, outros ficam mais tempo na escola até o período da tarde para assistir a outra aula, alguns que já assistiram a aula vêm pedir que eu de a mesma aula novamente, turmas que ficam sabendo de outras aulas pedem que eu faça a mesma com eles, alguns alunos ficavam na janela do lado de fora da sala para assistir a aula (até eu convidar para eles entrarem, o que tem gerado certo ciúme da turma), nenhum aluno matou aula para assistir minha aula. Uma coisa que fiz com eles foi o seguinte: uma aposta; quem fosse elogiado na sala dos professores por ser bem educado, eu pagaria um lanche (refri+salgado); obviamente, quem já ficou mais de 5 minutos em uma sala dos professores sabe que isso é quase impossível... (dica quanto a aposta, quando você aposta com o aluno e ele tem que pagar, isso vai criar problemas – muitos problemas – agora, quando é você quem paga – sem custo ao aluno – o problema maior é escolher algo que você sabe que vai ser difícil dele alcançar, assim caso eles comecem a ficar desanimados com a aposta vale a pena “pagar o lanche” mesmo a alguém que não tenha ganho, isso vai incentivá-los mais ainda. Fico devendo uma descrição mais detalhada da indisciplina escolar no método SESI / ensino médio. O que eu gostaria de mostrar aqui, é um vídeo que uma aluna gravou (e postou no yotube)de uma aula minha. A aula tem 50 minutos, desses 5 foram gastos em pô-los para dentro da sala, 5 minutos para fazer a chamada, 15 minutos de guerrinha de bolinhas de papel, 5 minutos para acalmar a turma, 20 minutos MUITO BEM APROVEITADOS em falar sobre agressividade, educação e respeito (e fazer a aposta). TODOS OS ALUNOS QUE TIVERAM ESSA AULA (falam de coração) bom dia, obrigado, por favor, ajudam os colegas, não usam mais apelidos nem fazem outro tipo de bully. Relato: teve uma turma que eu me confundi e fui realizar a mesma atividade (guerrinha de bolinhas de papel) conversamos por uns 10 minutos onde eu dei a devolutiva da aula anterior e como eles estavam bem comportados disse “vocês merecem, então vamos fazer mais uma guerrinha de bolinhas de papel”, eles brincaram por 15 minutos até que um aluno pegou o cesto de lixo passou pela sala recolhendo as bolinhas, todos jogaram fora as bolinhas aproveitando para ajuntar o lixo do chão, organizaram a sala, sentaram e fizeram silêncio... isso tudo sem eu precisar mandar, gritar, nem nada... Bem, fica a parte do vídeo que um aluno gravou. Até a próxima...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Princípios disciplinares de Marcelino Champagnat

Tive acesso essa semana a um livro interessante chamado “Princípios educativos de Marcelino Champagnat” de Gildo Cotta (São Paulo: FTD, 1996). Quando terminei de ler pensei em postar algo sobre ele aqui, fazer uma introdução e coisas desse tipo, mas ai eu estaria escrevendo um artigo, e não estou com muito tempo para isso, sinto muito... então vou transcrever algumas partes do livro que são relevantes a esse blog.
Devo afirmar que simplesmente transcrevi as partes referentes a disciplina e indisciplina (p. 128-134), as afirmações do autor e de Champagnat não representam necessariamente minhas convicções. A bibliografia apresentada também foi transcrita conforme o livro.

5. O Fundador insistiu muito na disciplina para formar os alunos. A insistência pode parecer, e certamente é, em parte, o tributo que ele paga à situação histórica na qual viveu: época de idéias revolucionárias e de reação contra elas. Mas o Padre Champagnat não pode ser encarado de maneira superficial: deve-se estudá-lo muito para penetrar-lhe o pensamento e o espírito sem risco de engano. Ainda nesse ponto ele é o educador exemplar, que visa constantemente a formar o homem e o cristão, ou melhor, o homem-cristão. A disciplina é tratada nas diversas obras que nos transmitem o pensamento do Fundador, mas as idéias são aproximadamente as mesmas. Procuremos sintetizá-las, recolhendo as que retornam com mais freqüência e são mais significativas.

5.1 Necessidade da disciplina
“A disciplina é necessária à educação, visto que a escola não pode substituir na desordem, na insubordinação, na algazarra, na diversão: requer-se ordem, silêncio, trabalho”(1). “A disciplina é o corpo da educação: a religião, a alma(2)”.

A idéia retorna sob outra forma e enfoque: a disciplina representa metade da educação da criança; faltando essa metade, na maioria dos casos inutiliza-se a outra(2). É tão necessária que, sem ela, não existe instrução nem educação possível(3).

5.2. Efeitos da disciplina.
A disciplina salvaguarda a fé e a piedade dos alunos, preserva sua inocência, garante seu progresso, previne suas faltas e, em decorrência, os castigos(3). Além disso, “fortifica a vontade da criança, dá-lhe força para resistir ao mal e combater as más tendências, previne-a contra a inconstância e os caprichos: forma para o bem, ensina a querer, a adquirir o hábito do dever e dispõe a seguir as inspirações da graça(1).

Habituar os jovens à disciplina é prestar grande serviço a eles, à família, à sociedade civil e à Igreja(2).

5.3. Males da indisciplina para a vontade.
Além de privar dos benefícios acima relacionados, a ausência de disciplina “enfraquece a vontade, deixa-a entregue aos caprichos, habitua-a a proceder conforme os repentes da fantasia; deixa-a indecisa entre o bem e o mal, sem coragem, sem energia, incapaz de tomar firme resolução, de praticar virtudes sólidas e de fixar-se no bem(1).

Por isso o Padre Champagnat chamava com tanta veemência à responsabilidade quem não cuidasse da disciplina. Para os alunos seria melhor ficar em casa; para uma aldeia, seria melhor não ter escola nenhuma do que ter uma escola indisciplinada(2).

5.4. Meta da disciplina
Na meta prefixada descobre-se a mentalidade do Fundador e o que efetivamente entendia por disciplina. Encontramos em Avis leçons, sentences, na página 56: “O objetivo da disciplina é conquistar o coração dos jovens, formá-los para a virtude, levá-los a cumprir o dever por amor e não por temor.

Em Vida, página 493, consta: “A finalidade da disciplina não consiste em reprimir os alunos pela força nem pelo medo de castigos, mas em preservá-los do mal, corrigir-lhes os defeitos, formar-lhes a vontade, incliná-los suavemente para o bem, dar-lhes o hábito da pontualidade e da virtude por meio do sentimento religioso e do amor ao dever”.

Ainda em Avis, leçons, sentences está escrito: “A disciplina é um dos meios mais adequados para fortificar a vontade, dar-lhe energia, para fazê-la adquirir o hábito da obediência e da santa violência que é indispensável fazer-se, para ser fiel à graça, lutar contra as paixões e praticar a virtude”.

A expressão “para ser fiel à graça” retorna com freqüência e revela-nos não só o segredo da vida pessoal, mas a real natureza da disciplina na qual tanto insistia: a que torna verdadeiramente livre o homem pela escolha do bem, dá a capacidade de viver interiormente na acolhida e dá-lhe o hábito da pontualidade e da virtude por meio do sentimento religioso e do amor ao dever no seguimento das inspirações do Espírito.

5.5. Maios para conseguir a disciplina
Para conseguir tais resultados, a disciplina para o Padre Champagnat deve ser paternal. Não sendo assim, não educa verdadeiramente ao alunos e, em vez de torná-los melhores, afasta-os do bem(3); avilta quem fica sujeito a ela e mais ainda quem a impõe(1). Em educação, não se trata de submeter os jovens ao regulamento pela coação, nem inspirar-lhes medo ou forçá-los(1). A verdadeira finalidade é outra, como já foi visto.

Por acaso é com chibatadas que se educam os jovens para a virtude? De modo algum. São as boas maneiras, o bom senso, os princípios religiosos que obtêm a submissão e levam ao bem, não os castigos corporais(3). E vimos como se pronunciou contra tal gênero de punições, tanto assim que, na Regra, o proibiu aos Irmãos. Para ele a verdadeira disciplina, “ a única que se forma a vontade e todas as faculdades do educando”, é fruto da autoridade moral, Esta se conquista com procedimento sempre exemplar, com a dedicação ao bem dos alunos, com o respeito de si e dos jovens, com proceder sempre equilibrado, prudente e sábio, que jamais dê motivo ao menosprezo por parte dos alunos. Daí resultam a força moral, a vontade resoluta, moderada, mas firme. “A firmeza assim entendida age sobre o ânimo dos jovens e os educa de verdade, porque é amor(3).

Pelo contrário, no educador são negativos a dureza, a obstinação, o mau humor, o capricho, a impaciência, a falta de autocontrole, que é sinal de fraqueza(3).

Em educação, verdadeira firmeza, fonte de autoridade moral, é agir com bom senso, após haver refletido e ter-se aconselhado; de outra forma, seria paixão, irritação de nervos. A firmeza não será educativa, produzirá até efeitos deploráveis sobre a educação, se não tiver como princípio o amor oblativo, disposto até a sofrer, para conseguir o bem dos alunos(3).
“A firmeza não deve degenerar em dureza, nem a doçura em falta de energia”(1).

6. Modos de corrigir para educar.
Outra maneira de forjar a vontade e a personalidade humana é a correção. Errare humanum est, “errar é humano”. Com seu conhecimento do coração, o Padre Champagnat não se admirava de que, apesar de todos os cuidados educativos, as crianças e os jovens cometessem faltas. Vimos também que ajudar a corrigir os defeitos e a praticar o bem era a maneira mais comum de manifestar seu amor paternal.

No entanto, por vezes, será preciso a firmeza que corrige para manter o cumprimento do dever, mas firmeza não é violência e “deve ser usada somente por necessidade, quando todos os demais meios tiverem sido inúteis”(1). Ainda assim, confessava que de todos os deveres do Superior o mais espinhoso é a correção(2). Quem possuir experiência sabe quanto isso é verdadeiro.

No que tange às correções necessárias, servem-nos de guia os exemplos e as recomendações do Fundador.

Suas correções eram sempre acompanhadas de bondade e firmeza, de caridade e indulgência(2); recomendava que se respeitasse quem havia falhado, que se levasse em conta a idade e debilitante, que fosse tratado com delicadeza, com aquele respeito que é feliz equilíbrio de ternura, de condescendência e doçura(3).

Além disso, mesmo nas correções que exigiam maior severidade, mostrava-se sempre bom e indulgente. Depois de haver mostrado ao culposo todos os erros, encorajava-o, falava-lhe de suas boas qualidades e lhe aconselhava o modo de desenvolvê-las e de servir-se delas para corrigir os defeitos, com ênfase no aspecto positivo(2).

Normalmente bastava um olhar, uma palavra. Aos mais irrequietos repetia com frequência: “Na primeira vez perdôo; na segunda ficam devendo; na terceira pagam(2)”. Mas ficava muito satisfeito quando alguém lhe respondia: “Padre, prometo que nunca vou ter de pagar(2)”. Sobre tudo nunca foi surpreendido zangando-se contra os culpados, ou falan-do-lhes com irritação; desaprovava os que iniciam a correção censurando a falta(2).

Suas correções eram quase sempre sob a forma de conselhos, consistindo em observar o que era necessário fazer e evitar(2); se precisasse repetir a observação, nunca mostrava ressentimento.

Queria que se levassem em conta as circunstâncias que atenuam a culpa: tempo, idade, temperamento, situações particulares; era indulgente com aqueles que mostrassem boa vontade. Após a correção, era como se nada tivesse acontecido; se o próprio faltoso lhe falasse, respondia: “Tudo bem, meu caro amigo, já esqueci, nem pense mais nisso. Trate de melhorar daqui para frente(2)”. É evidente que só quem está repleto do espírito de Cristo e procura tão-somente o bem dos outros pode comportar-se com tanta abnegação.

O Padre Champagnat apontava, ainda, quatro defeitos que é preciso evitar na correção: o hábito de retalhar, o amuo, a impetuosidade e a fraqueza de caráter(2). A maior preocupação do Fundador estava voltada para o positivo: fazer progredir no bem. Nisso seu método é guia seguro: exigir pouco no início, fazendo percorrer lentamente o caminho da perfeição. Não permitir, entretanto, nenhuma parada e menos ainda retrocessos(2).

Dosar o trabalho conforme as possibilidades, contentar-se com a boa vontade, como esforço... não desanimar os alunos com exigências descabidas(2), saber esperar, porque certos alunos têm desenvolvimento vagaroso(3).
“Cumpre agir sempre com firmeza e bondade; não sejamos exigentes demais; perdoemos algo à fraqueza humana e guardemo-nos do zelo desarrazoado de exigir uma perfeição que não corresponde à idade(2)”.

7. Castigos que educam
A correção, ainda que feita da melhor forma, por vezes não é suficiente; com frequência, faz-se necessário recorrer à punição. O Padre Champagnat exige que os castigos sejam reduzidos ao mínimo indispensável, visto que, como os medicamentos, são salutares somente quando tomados com moderação(2).

Ainda nesse particular, ele dá ótimos conselhos. Recordemos alguns: que o castigo seja tal que o culpado aceite como justo; nos casos graves, deixar a punição para o dia seguinte, a fim de não agir pelo impulso do momento. Elevar a Deus nossa mente para sermos iluminados sobre o que é melhor par ao bem do culpado; ter sempre em conta o temperamento do jovem e a natureza da falta; escolher o momento adequado, quando o culpado já se encontra em condições de aceitar a correção saber dosar as punições de acordo com a gravidade das faltas; nunca dar como castigo coisas que devem ser objeto de veneração ou de amor, afim de não gerar aversão por elas. Em geral o educador deve recear mais pecar por excesso de rigor do que por excesso de bondade(1).

(1) Guide dês Écoles à l’usage dês Petits-Frères-de-Marie, rédigé d’après les Règles et les Instructions de M. L’abbé Champagnat, Fondateur de cet Institut. Lyon : Périsses Frères, 1853. Existe uma tradução brasileira no volume editado por Ir. Luiz Silveira: O Segundo Capítulo Geral do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, 1852-1853-1854. Belo Horizonte: Centro de Estudos Maristas, 1994, p. 147-298.

(2) Vida de José Bento Marcelino Champagnat, edição do bicentenário. São Paulo, 1989. É a tradução do original Francês: Vie de Joseph-Benoît-Marcellin Champagnat, Fondateur dês Petits Frères de Marie, par un de sés premiers disciples. 2 vol. Lyon : Périsse Frères, 1856.

(3) Lettres de Marcellin J. B. Champagnat (1789-1840). I, Textes présentés par Fr. Paul Sester. Rome : Casa Generelizia dei Fratelli Maristi, 1985.